Tudo o que você precisa saber sobre a história do Irã para entender os conflitos com Israel e os EUA
Eu prefiro viajar e descobrir por conta própria a realidade, ver com meus próprios olhos para desconstruir preconceitos e aprender mais sobre um lugar que quase ninguém conhece, mas muitos pensam que sabem tudo a respeito.
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descobrindo por conta própria a realidade, vendo o Irã - e os iranianos - com nossos próprios olhos para desconstruir preconceitos |
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amei conhecer o Irã e o maravilhoso povo iraniano, que é muito diferente dos Aiatolás que governam o país há décadas |
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conversando com os locais para aprender um pouco mais sobre esse lugar que quase ninguém conhece, mas muitos pensam que sabem tudo a respeito |
Um prêambulo sobre o Irã
O Irã está há décadas no centro da cena militar, política e religiosa no Oriente Médio, mas, diferente do que você possa estar pensando, esse protagonismo do Irã não começou agora, com o problema nuclear envolvendo Israel e os EUA, ou com as também recentes disputas de influência com a Arábia Saudita.
Pra gente entender como o Irã se tornou essa potência regional de hoje, temos que voltar bastante no tempo, até as origens da Pérsia, para compreender todas as questões que influem no atual jogo de poder.
Em 1º lugar, o Irã é um país Persa, diferentemente dos seus vizinhos, como Iraque e Arábia Saudita, que são Árabes.
Em 2º lugar, o Irã é um país Xiita, corrente do Islamismo que difere dos Sunitas, que são a grande maioria entre todos os países muçulmanos vizinhos.
Em 3º lugar, é importante lembrar que a identidade da nação iraniana está fortemente associada ao imaginário do Império Persa, uma grande potência regional desde a Antiguidade. Eles têm - e com razão - muito orgulho de suas origens Persas!
E, por último, como todos sabemos, o Irã possui uma das maiores reservas de petróleo do mundo.
Expliquei direitinho a diferença entre Árabes e Persas aqui neste post - recomendo fortemente que você leia se quiser realmente entender melhor o Irã: Irã: tudo o que você precisa saber para visitar o país
O Irã é um país com 87 milhões de habitantes no Oriente Médio - o 17º país mais populoso do mundo.
É do tamanho do estado do Amazonas, e fica situado entre o Iraque e o Afeganistão, ou seja, numa das regiões mais conturbadas do planeta.
Foi lá que surgiu uma das civilizações mais importantes da história da humanidade, a Persa.
Durante 2.500 anos, o que é hoje o Irã, era uma monarquia - o Império Persa - em que os reis eram conhecidos como 'Xás'.
O último deles, Reza Pahlavi, ficou famoso por manter um regime opressivo, corrupto e muito extravagante, que era bancado com $$$ do petróleo e apoiado pelos EUA.
Isso não tinha como dar certo, né?!
E foi assim que, em 1979, protestos de vários grupos derrubaram a monarquia e transformaram o país em uma República Islâmica, onde o clero - os Aiatolás - passaram a dominar o poder político, e o Islamismo virou a lei.
Leia mais: Islamismo - o que você precisa saber sobre essa religião e sobre o Ramadã para viajar ao Irã
Valores ocidentais e modernistas que regiam o Irã nos tempos do Xá foram trocados por um (terrível - e essa é a MINHA opinião) conservadorismo religioso radical.
Hoje, quase 50 anos depois, a situação no Irã não mudou muito.
Mas...vamos começar pelo princípio?
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esta é a típica vestimenta Persa |
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a maioria dos iranianos são Persas, povo que não tem NADA a ver com os Árabes |
o Irã é um país Xiita, corrente do Islamismo que difere dos Sunitas, que são a grande maioria entre todos os países muçulmanos vizinhos |
Qual a diferença entre Pérsia e Irã?
Nenhuma.
O que ocorreu é bem simples: o país era conhecido como Pérsia até a década de 30, quando o Xá (Rei) da época decidiu alterar o seu nome e avisar ao mundo que, a partir de agora, a Antiga Pérsia passaria a se chamar Irã.
Atualmente, ambos os termos Pérsia e Irão (em Portugal) ou Irã (no Brasil) são usados de forma correta, e o nome "Pérsia" é bem usado em contextos culturais, mas o nome "Irã" ainda é o mais usado oficialmente em contextos políticos.
E, para entender a importância do Irã no mundo hoje em dia, é muito importante entender a relevância da Pérsia na história da humanidade - uma das civilizações mais importantes de todos os tempos, principalmente nos últimos 3.000 anos.
Lembro de ter estudado muito nas aulas de história - quando estudávamos os povos da antiguidade - sobre as civilizações grega e egípcia, por exemplo.
Mas não lembro de estudar praticamente nada sobre a Pérsia.
E também não lembro de os professores fazerem qualquer correlação entre a antiga Pérsia e o atual Irã.
Vocês lembram de algum professor do ensino fundamental ter te explicado claramente, mostrando no mapa, por exemplo, que a Mesopotâmia é o que hoje conhecemos como Iraque; que Constantinopla é a atual Istambul; que os Fenícios viviam no que hoje é o Líbano??
a Pérsia foi uma das civilizações mais importantes de todos os tempos |
Xá, Líder Supremo e Presidente
Shah = Xá = Rei
O Ayatollah Khomeini foi, portanto, o fundador da República Islâmica do Irã e seu 1º Líder Supremo.
O Líder Supremo funciona como um Chefe de Estado, e ele pode demitir o Presidente e Chefe do Governo quando quiser. Em resumo: quem manda mesmo são os líderes islâmicos, e não o voto.
Veja também:
Irã: tudo o que você precisa saber para visitar o país
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em resumo, quem manda na coisa toda são os líderes islâmicos |
Judeus no Irã
Breve história da Pérsia
A história da ocupação humana no território onde hoje é o Irã começou há cerca de 10.000 anos, mas o Irã, da forma como conhecemos hoje, nasceu há aproximadamente 4.000 anos, quando tribos arianas (persas e medos), vindas da Ásia Central, chegaram à região em busca de segurança e de novos recursos naturais, se espalhando pelo território.
Essas tribos finalmente se uniram sob um mesmo reino em 559AC, por mérito de Ciro, o Grande, um baita estrategista militar, que em seguida já começou a expandir os domínios do seu reinado.
Pouco a pouco, ele foi conquistando tudo nos arredores, chegando a ter 23 povos sob a sua liderança.
Muitos garantem que isso só se deu porque ele tratava todos os diferentes povos que conquistava com respeito às suas próprias culturas e religiões, característica que rendeu a ele a fama de defensor dos direitos humanos, fama que Ciro tem até hoje.
Escrevi mais sobre Ciro, o Grande, aqui.
Era o início do Império Persa, que recebeu essa designação justamente por ter se expandido a partir da região chamada de Pars, até se transformar na 1ª superpotência que o mundo já conheceu.
O Império Persa seguiu então firme e forte sob o comando dos sucessores de Ciro - Dario e Xerxes - chegando a conquistar territórios tão distantes quanto os atuais Turquia, Jordânia, Chipre, Síria, Líbano, Israel, Egito, Iraque, Paquistão, Afeganistão, Turcomenistão, Tajiquistão, Uzbequistão e a região do Cáucaso.
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no Iran National Museum vimos crânios humanos encontrados na região datados de 7.500AC |
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o Império Persa foi a 1ª superpotência que o mundo já conheceu |
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em Persépolis estão situadas as ruínas da antiga capital Persa de Dario, o Grande - o local é uma das grandes maravilhas do mundo antigo, fundada no ano 520AC |
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os líderes do grandioso Império Persa, como Ciro, Dario e Xerxes, são cultuados até hoje no Irã, inclusive nos souvenirs à venda |
Esse Império durou bastante, mas acabou perdendo força ao longo dos séculos, até ser dizimado por Alexandre, o Grande, quando este invadiu a Pérsia em 334AC e tocou fogo em Persépolis, a então capital cerimonial do império.
Ainda hoje não se sabe ao certo se Alexandre queimou tudo por descuido, durante as comemorações da sua vitória militar, ou se foi por retaliação, em razão de uma anterior destruição de Atenas pelo rei persa Xerxes.
Naquela época, os Persas cultuavam o Zoroastrismo, religião do Profeta Zoroastro, que era seguida pelos reis e pela maior parte dos súditos.
Saiba mais aqui: Zoroastrismo: o que você precisa saber sobre essa religião
Aqui vale a pena abrir um parênteses para relatar algo que acho que mostra bem o porquê de as coisas estarem hoje como estão:
Visitando Persépolis, que é reconhecida como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, ficamos tristes de ver como o local é mal conservado e subaproveitado.
Sendo um local tão importante, historicamente falando, e percebendo, por outro lado, como as cúpulas das mesquitas de Esfahan, por exemplo, estão sendo restauradas e são bem cuidadas, fiquei sem entender o porquê daquele relaxamento também com outros importantes sítios arqueológicos que visitamos, como Naqsh-e-Rostam, local onde estão 4 túmulos/necrópolis do Império Aquemênida esculpidos nos penhascos, e Pasárgada, a capital de Ciro, o Grande, fundador do Império Persa, onde está seu túmulo.
Afinal, são lugares importantíssimos para a história da humanidade, e estão bem mal conservados, super subexplorados turisticamente (podiam estar rendendo um dinheirão), sem informações em inglês...enfim, dá pena de ver!
Pois então foi conversando com uma família de iranianos que conhecemos lá em Persépolis que conseguimos entender o motivo do péssimo estado de conservação destes sítios arqueológicos em especial: eles são de uma época em que o Islamismo sequer existia, e os Aiatolás de hoje não têm nenhum interesse em preservar a história da Antiga Pérsia, cuja religião era o Zoroastrismo, como expliquei acima!
Essa família que nos explicou isso usou exatamente essas palavras: "por eles, já tinham passado um trator e destruído tudo isso aqui" 😕
É muito triste quando a história DA HUMANIDADE fica nas mãos (e dependendo) de um bando de ignorantes e fanáticos religiosos, né?
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família de iranianos que conhecemos em Persépolis e que nos explicaram o motivo do péssimo estado de conservação dos sítios arqueológicos Zoroastras do Império Persa |
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ruínas de Persépolis |
Mas, fechando o parênteses, o Império Sassânida foi o último grande Império Persa antes da ascensão do Islamismo, governando a Pérsia de 224 a 651DC.
Foi uma potência significativa na Ásia Ocidental, rivalizando com o Império Romano e, depois, com o Império Bizantino, por mais de 400 anos. Os Sassânidas são conhecidos por sua cultura vibrante, arquitetura monumental e pela influência duradoura na região.
Por volta de 650DC, contudo, houve a invasão Árabe da Pérsia e, com os Árabes, veio a consequente imposição do Islamismo como a religião do reino.
Sem forças para enfrentar os novos conquistadores, os Persas acabaram assimilando o Islamismo, mas mantiveram algumas de suas antigas tradições e influências do Zoroastrismo, criando o Xiismo, um ramo do Islamismo que tem uma visão diferente dos Sunitas sobre quem é o verdadeiro sucessor de Maomé.
Assim, os Persas viraram muçulmanos, mas se mantiveram diferentes dos seus conquistadores Árabes, que eles consideravam grosseirões aculturados - e, de fato, isso precisa ser dito: os Persas eram muito refinados para a sua época!
Depois que o Império Árabe começou a decair, outros conquistadores chegaram à Pérsia, como foi o caso de Gengis Khan, por exemplo, o fundador do Império Mongol, mas sumiram de lá depois de um tempo, sem deixar grandes marcas na Pérsia.
Em 1501, um novo rei foi coroado na Pérsia, e o seu 1º ato como monarca foi declarar o Xiismo como religão oficial do estado. Era o Império Safávida, uma dinastia Xiita iraniana formada por Azeris e Curdos, que governaram a Pérsia de 1501 a 1722.
Já no final do século 18, a Dinastia Qajar tomou o trono persa e aí foi tudo um horror de safadeza e corrupção. Esta dinastia entregava de bandeja, em benefício próprio, todas as riquezas da Pérsia - como indústrias, bancos, fumo e caviar - à Rússia e à Grã-Bretanha, os grandes impérios da época.
Os Qajar acabaram caindo por pressão popular, mas aí já era tarde demais: eles tinham entregado aos Britânicos o direito à exploração de gás e petróleo por um período contratual de 60 anos.
Nessa época, a Pérsia já tinha um Parlamento, onde, em 1906, surgiu Mohamed Mossadegh, um dos maiores líderes que o país já teve.
Mossadegh - que era advogado por formação - era um nacionalista incondicional, e comprou uma briga horrorosa com os Britânicos ao longo da sua carreira na política.
Ele exigia que o petróleo persa rendesse mais ao seu povo miserável e não apenas à Grã-Bretanha, que extraía barris aos montes, pagava royalties ridículos, não permitia auditorias e, pior, tratava muito mal os empregados iranianos, negando a eles os direitos mais básicos.
Com toda a experiência colonialista que tinham os Britânicos, conseguiam manter o controle sobre o petróleo iraniano manipulando políticos e líderes corruptos, oferecendo poder a aliados, pagando propinas e chegando até a ameaçar outros países que apoiassem a Pérsia.
Breve história do Irã
Os Britânicos eram tão malignos que, em 1941, conseguiram colocar no trono Persa um rei praticamente escolhido por eles: o Xá Mohammad Reza - playboy cujo pai (o ex-Xá) tinha mudado o nome do país de Pérsia para Irã anos antes, na década de 30.
Mas, em 1950, o povo iraniano escolheu justamente Mohamed Mossadegh - um democrata secular, inimigo dos Britânicos - como primeiro-ministro.
A luta entre Mohamed Mossadegh e os Britânicos piorou quando, em 1951, o iraniano Mossadegh partiu pra cima da empresa de petróleo inglesa (Anglo-Iranian Oil Company, atual BP), nacionalizando totalmente a companhia petrolífera britânica de petróleo, e devolvendo o petróleo iraniano ao seu povo, causando, com isso, uma grande crise internacional.
Os ingleses, P. da vida, liderados pelo Churchill e se sentindo muito ofendidos, ficaram loucos para se vingar do Irã, e pediram então ajuda aos EUA, que, na época, mantinham ótimas relações com o Irã e eram muito admirados pelos iranianos.
Como todos sabemos e já comentei acima, o Irã possui uma das maiores reservas de petróleo do mundo. Depois que a 2ª Guerra Mundial terminou, em 1945, os EUA e a União Soviética passaram a disputar a hegemonia global na Guerra Fria. O Irã era uma peça importante nesse jogo de xadrez e, nesta época pos-guerra, sofria muita influência dos Soviéticos e dos Britânicos.
Os EUA demoraram, mas acabaram atendendo aos pedidos dos Britânicos e tramaram, em 1953, o 1º golpe de estado patrocinado pela CIA - a Operação Ajax - que derrubou Mohamed Mossadegh do cargo de primeiro-ministro, sendo colocado um político pau-mandado no seu lugar, com o poder absoluto sendo entregue ao Xá playboy Mohammad Reza Pahlavi.
O interesse americano nessa situação era claríssimo: entre os países do Oriente Médio que são membros da OPEP - Organização dos Países Exportadores de Petróleo - só a Arábia Saudita tem tantas reservas quanto o Irã e, no mundo, só a Venezuela.
Mossadegh, que acabou depois morrendo em prisão domiciliar em 1967, havia sido eleito democraticamente.
Note que os representantes legitimamente eleitos pelo povo iraniano foram destituídos, e o Xá ganhou plenos poderes, com total apoio dos americanos.
O jovem Xá, contudo, era famoso pelos seus excessos: diziam que sua mulher se banhava em leite e que ele mandava buscar o almoço via Concorde de Paris.
Sem outros grandes inimigos internos, e com o apoio da Grã-Bretanha e dos EUA (que então dividiam 80% do petróleo iraniano), o Xá deu início a uma ditadura mão-de-ferro, instalando uma autocracia marcada por prisões políticas, torturas e execuções de opositores, além de gastar rios de dinheiro e viver na opulência, enquanto que a população iraniana vivia na miséria e a economia enfrentava até problemas de desabastecimento de comida.
Nos anos 1970, apesar dos enormes lucros com o petróleo, a desigualdade social no Irã só crescia, e o povo passava fome.
O Xá mantinha o poder através de uma cruel polícia interna, a Savak, numa era de tortura e medo.
Pra completar o descontentamento, o Xá Mohammad Reza Pahlavi ainda deu início a uma campanha para ocidentalizar o Irã, irritando a tradicional população muçulmana Xiita.
Assuntos como sexo antes do casamento e voto feminino entravam em choque frontal com o Xiismo.
E, na seara política, os atritos eram ainda maiores com o nacionalismo, que contestava a subordinação cada vez mais escancarada do Irã a potências como os EUA.
Esse cenário, somado à grande crise econômica, acabou levando a população iraniana ao limite, principalmente no interior do país - mais pobre e religioso - e no ambiente universitário, que era mais nacionalista, 2 setores que tiveram peso fundamental no epicentro da história recente do Irã, a Revolução de 1979.
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essas eram as comissárias de bordo da companhia aérea iraniana antes da Revolução Islâmica de 1979 |
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como as mulheres se vestiam no Irã na década de 70, antes da Revolução |
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o estranho país em que as pessoas mais velhas tiveram mais liberdades do que as mais jovens - as diferentes seleções iranianas de vôlei dos anos 70 (acima) e do século 21 (abaixo) |
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jovens iranianos na década de 70 |
Revolução Islâmica de 1979
Já no final dos anos 70 (em 1979), de saco cheio dos excessos do Xá, e seguindo a liderança de um religioso Xiita muito forte e carismático - o Ayatollah Khomeini - os iranianos derrubaram o Xá Mohammad Reza Pahlavi, que fugiu e foi exilado nos EUA, através de um levante popular liderado por jovens estudantes, muitos deles de esquerda, nacionalistas, socialistas e comunistas, que depois acabaram sendo engolidos pelo poder dos clérigos Xiitas.
Essa nova revolução era a esperança do povo iraniano de um país novo e livre e, no início, até parecia que ia dar certo: o Ayatollah Khomeini se cercou de homens ligados a Mohamed Mossadegh e um grande admirador do antigo primeiro-ministro chegou a ser eleito Presidente do Irã, mas, infelizmente, depois de um tempo, os líderes religiosos começaram a mostrar suas unhas e a implementar a linha dura.
No lugar do deposto Xá Reza Pahlavi, quem assumiu o poder foram os Aiatolás, nome dado às autoridades clericais do Islamismo Xiita.
E um Aiatolá em particular se tornou muito importante: o Aiatolá Khomeini, um clérigo exilado que voltou ao Irã, depois de 14 anos no exílio, para liderar o novo regime.
Claro que as coisas não terminaram bem: morrendo de câncer, o Xá Reza Pahlavi conseguiu asilo nos EUA. E, por isso, o maior alvo simbólico da Revolução de 1979 acabou sendo justamente a Embaixada dos EUA em Teerã.
O povo iraniano foi às ruas, diante da Embaixada Americana, exigindo que o Xá fosse devolvido ao Irã, para ser julgado e enforcado.
Dezenas de americanos (50!!) foram mantidos presos por mais de 1 ano como reféns dentro da Embaixada dos EUA em Teerã, história que vocês podem conferir no ótimo filme de Hollywood de 2012 chamado Argo.
O longa-metragem - que inclusive ganhou o Oscar de melhor filme - conta a história real de 6 americanos que ficaram refugiados na Embaixada Canadense em Teerã e conseguiram fugir do país.
Esse episódio, e a revolução como um todo, acabaram marcando uma ruptura violenta e um distanciamento cada vez maior do ocidente: os EUA, que eram os maiores amigos e apoiadores do Xá, se tornaram os maiores inimigos do novo regime, situação que se mantém até hoje, alimentada por toda a propaganda anti-americana que se vê nas ruas do país inteiro - uma verdadeira lavagem cerebral contra os EUA (e contra Israel também).
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a fachada da Antiga Embaixada Americana em Teerã é tomada por murais de propaganda anti-ocidente patrocinados pelo governo do Irã - sobrou até para a Lady Liberty! |
muitos dos manifestantes que vimos Marcha do Dia dos Quds em Meybod no Irã não pareciam ter mais de 18 anos |
O sistema de governo do Irã
Aqui, vale abrir um parênteses para entender como funciona exatamente o sistema de governo do Irã, que é um sistema bem diferente do que a maioria de nós conhece.
Nesse sistema, o Líder Supremo do país, que hoje é o Aiatolá Ali Khamenei, sucessor do revolucionário Aiatollah Khomeini, tem um papel central.
Khamenei é o Líder Supremo do Irã, com um mandato vitalício, mas ele não foi eleito pelo voto popular. Ele foi escolhido para o cargo em 1989 por uma Assembleia.
Essa Assembleia tem 86 membros eleitos para mandatos de 8 anos. E os membros desta Assembleia só assumem se tiverem os seus nomes aprovados antes por um órgão chamado Conselho dos Guardiães.
Esse Conselho é formado por 12 membros, sendo 6 teólogos Xiitas escolhidos pelo Líder Supremo e 6 juristas especialistas em leis islâmicas, escolhidos pelo chefe do Poder Judiciário.
Esse chefe do Poder Judiciário é também escolhido a dedo para o cargo pelo Líder Supremo, mas é submetido ao Parlamento unicameral, que tem 290 membros no país.
Também há um Presidente eleito por voto direto da população, como já comentei. Mas tem uma pegadinha: só podem disputar a Presidência candidatos que tenham sido aprovados antes pelo Conselho dos Guardiães, cuja metade dos membros são escolhidos pelo Líder Supremo.
Ou seja, o Líder Supremo do Irã tem um poder absoluto, é ele quem manda na p#rr@ toda.
E pior: no Irã, o poder político e o poder religioso se concentram no mesmo cargo, na mesma pessoa 😤 vocês não acham assustador esse acúmulo de poder nas mãos de uma única pessoa?
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o Ayatollah Khomeini foi o fundador da República Islâmica do Irã, e Ali Khamenei o sucedeu quando ele morreu em 1989 e lidera o país até hoje |
Guerra Irã X Iraque
Continuando, é importante lembrar que as mudanças trazidas pela Revolução Islâmica de 1979 foram imediatas, e não só no Irã, mas em todo o Oriente Médio.
Xiitas no Líbano se inspiraram, e o governo do Iraque começou a ficar com medo de ser derrubado também. Então, em 1980, no ano seguinte à Revolução dos Aiatolás, o Irã (Xiita) e o Iraque (Sunita) entraram em guerra.
O então Presidente do Iraque, Saddam Hussein, que na época era apoiado pelos EUA (simmm, os EUA apoiavam Saddam Hssein!), invadiu o Irã, achando que ia ser fácil vencer os vizinhos, que estavam fragilizados pela recente Revolução.
Mas não foi bem assim.
Essa guerra terrível acabou durando mais de 7 anos, até 1988, com um custo enorme em vidas para as populações civis de ambos os lados da fronteira.
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homenagem aos combatentes iranianos mortos em conflitos na Guerra Irã X Iraque |
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mural em Teerã que homenageia soldados iranianos mortos na guerra |
História recente do Irã e seus novos desafetos
E, além do Iraque, a Arábia Saudita, que é a maior potência militar do Oriente médio, maior potência Sunita e sede dos locais mais sagrados do Islamismo, também passou a rivalizar esse 'novo Irã'.
Por fim, Israel, que é o único país de maioria não-muçulmana em todo o Oriente Médio, também percebeu que o regime teocrático no Irã, que crescia em termos militares, políticos e econômicos, representava um grande risco à própria existência de Israel.
Sim, os iranianos nunca tiveram vergonha nenhuma de afirmar que o objetivo militar deles é a destruição completa do Estado de Israel. Para Teerã, Israel não tem o direito de existir. O governo do Irã considera Israel o pequeno Satanás - o maior aliado no Oriente Médio dos EUA, a quem os clérigos Xiitas chamam de grande Satanás 😓
Isso não é segredo pra ninguém, e testemunhamos claramente esse ódio escancarado nas ruas de Teerã.
Israel e o Irã até haviam sido próximos nos tempos do Xá - acredite se quiser, o Irã foi o 2º país islâmico a reconhecer o Estado de Israel, depois do Egito - mas essa conexão acabou completamente no regime dos Aiatolás, que rompeu as relações com Israel, deixou de reconhecer a validade do passaporte de seus cidadãos e tomou posse da Embaixada Israelense em Teerã, cedendo o prédio à Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que então liderava a luta por um Estado Palestino, contra o governo israelense.
E o estranho é que Israel sequer sentia essa mesma hostilidade pelo Irã!
Até a década de 90, a principal preocupação de Israel era com o Iraque do Saddam Hussein, que era tido como a maior ameaça regional ao Estado dos Judeus. Tanto era assim que o próprio governo israelense foi um dos mediadores que participaram do episódio que ficou depois conhecido como Irã-Contras, programa pelo qual os EUA desviaram armamentos pro Irã, para que eles usassem na guerra contra o vizinho Iraque na década de 80!
Para ler mais sobre Israel aqui no blog: Israel
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o Mickey Mouse não é lá muito querido no Irã 👀 |
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note, no cartaz à direita na foto, o protesto contra os vilões de sempre - EUA e Israel |
O isolamento do Irã na região aumentou ainda mais com os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA.
Os atentados em si não tinham relação com o Irã - afinal, eles foram confessadamente cometidos pela rede terrorista Al Qaida, que inclusive é da corrente Sunita do Islã.
Mas...a questão é que a resposta dada pelo então Presidente dos EUA, George Bush, acabou alterando todo o entorno do Irã.
No Oriente Médio, George Bush invadiu 1º o Afeganistão, e depois o Iraque.
Em seguida, agindo em conjunto com o governo do Paquistão, ele instalou bases militares lá.
Assim, em 2003 já haviam bases militares dos EUA em quase todos os países que fazem fronteira com o Irã, o que acabou levando ao poder o novo Presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad.
Com o avanço americano e o entorno hostil, Mahmoud Ahmadinejad acabou se tornando o representante do regime dos Aiatolás e o grande fomentador do programa nuclear do Irã.
Aqui preciso abrir um novo parênteses para contar que, numa estrada iraniana por onde passamos, a caminho de Teerã, haviam umas instalações "suspeitas" e avisos de que era proibido parar o veículo ou fotografar ali.
Chegaram a nos dizer que era proibido até diminuir a velocidade do carro ali naquele trecho de estrada!
Indagando daqui e dali, nos explicaram que se trata da instalação de enriquecimento de urânio de Natanz, situada 290Km a sul de Teerã.
A suspeita é que é justamente ali que eles enriquecem o urânio usado na produção de armas nucleares, e por isso tantos cuidados e sigilo.
Não é possível saber se é realmente lá que eles produzem as malfadadas armas nucleares que apavoram o mundo ocidental, mas não custa prestar atenção na sinalização de trânsito e cumprir as regras, especialmente a de não fotografar - porque ninguém tá de brincadeira quando o assunto é nuclear, né!
Cheguei a procurar no Google Maps para ver o que era aquele lugar, e o nome do local é Natanz Nuclear Facility 💀
O que achei mais estranho nessa história toda é justamente o fato de ser um lugar tão central no país, nada "escondido" - todo mundo que vai ao Irã passa por ali em algum momento da sua viagem, pois fica exatamente no caminho entre Esfahan e Teerã, bem pertinho da também famosa cidade turística de Kashan.
Saiba mais sobre o Programa Nuclear Iraniano.
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instalação de enriquecimento de urânio pela qual passamos viajando de carro pelo Irã, em Natanz, a aproximadamente 290Km ao sul de Teerã |
Fechando o parênteses e continuando, Mahmoud Ahmadinejad teve um 1º mandato até 2009, e depois se elegeu novamente para mais um mandato. Ahmadinejad teve rivais com perfis mais liberais nas urnas, e nas ruas os eleitores pediam mudanças, mas o então Presidente, agindo com o apoio dos religiosos Xiitas e da Guarda Revolucionária, reprimiram os manifestantes com violência.
Essa onda de manifestações, que ficou conhecida como Revolução Verde, foi violentamente sufocada e Ahmadinejad foi reeleito, governando até 2013, quando foi então substituído pelo Presidente Hassan Rohani, que era mais moderado.
Mesmo com a sucessão, a comunidade internacional impôs pesadas sanções econômicas ao governo do Irã, para tentar estrangular a economia local e frear a ameaça nuclear que o país começava a representar.
Sentindo a pressão, o Presidente Hassan Rohani negociou o desmonte do programa nuclear que havia sido criado por seu antecessor Mahmoud Ahmadinejad.
Em 2015, o grupo das 5 potências com assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, e mais a Alemanha, finalmente conseguiu firmar um acordo nuclear com o Irã.
Nesta época, o Presidente dos EUA era Barack Obama. Mas, em 2016, a eleição de Donald Trump mudou de novo o cenário, tendo Trump se referido a esse acordo como 'o pior da história', tentando derrubá-lo.
Nesta época, as tensões na região se acirravam.
Desde então, o Irã apoia grupos armados em países vizinhos, como forma de equilibrar a pressão dos EUA e das potências Sunitas ao seu redor.
O Irã age na Síria e no sul do Líbano por meio do grupo Xiita Hezbollah; no Iêmen, eles apoiam os rebeldes Houthis; na Palestina, agem por meio do Hamas e da Jihad Islâmica; no Iraque, agem em conexão com grupos Xiitas e Curdos; e, no Afeganistão, apoiam milícias Xiitas que agem contra o Estado Islâmico.
Essas alianças com terroristas, além de indispor o Irã com os EUA e com Israel, também coloca o regime dos Aiatolás como rival da Arábia Saudita na luta pela hegemonia na região.
É uma espécie de "guerra fria do Oriente Médio".
Analistas político-militares chamam isso de guerras por procuração, ou proxy war, que são conflitos armados onde 2 ou mais potências usam terceiros (outros países ou grupos armados) para lutar em seu lugar, evitando o confronto direto entre si. Essas grandes potências fornecem apoio financeiro, militar ou logístico aos seus representantes (grupos ou países menores, os "procuradores"), que lutam pelos seus interesses em vez delas, em áreas de interesse mútuo.
o lindíssimo prédio do Ministério da Guerra em Teerã - note as armas nos mosaicos coloridos |
No começo de 2018, uma série de novos protestos explodiram no interior do país, mas, ao contrário dos protestos de 2009, dessa vez não havia lideranças claras entre os manifestantes nas ruas. Mais uma vez, contudo, a poderosa Guarda Revolucionária abafou com violência os protestos, confirmando o caráter opressor do governo, que, há quase 50 anos, foi instaurado justamente contra a autocracia do Xá 😓
No final de 2019, de novo, o governo iraniano anunciou um aumento abrupto de 50% no preço dos combustíveis, deflagrando uma nova onda de protestos. Aí, em janeiro de 2020, sob a administração de Donald Trump, os EUA lançaram um ataque aéreo contra um comboio que transportava vários passageiros no Iraque, incluindo o general iraniano Qasem Soleimani, que acabou morto.
Como represália, o Irã atacou com mísseis balísticos bases militares americanas e, durante o lançamento dos mísseis pelo Irã, eles acabaram atingindo, por ENGANO, um avião da Ukraine International Airlines, que ficou conhecido como o voo 752, com 176 pessoas a bordo, das quais 82 eram iranianas, sendo que não houve sobreviventes.
Como o governo iraniano ficou ainda vários dias mentindo que não era o responsável por ter abatido o avião, as manifestações populares evoluíram e, como sempre, foram duramente reprimidas com violência e uso de gás lacrimogênio pelas forças policiais iranianas, enquanto os manifestantes nas ruas pediam a morte do Líder Supremo do Irã, o Aiatolá Ali Khamenei, e destruíam imagens do general Qasem Soleimani.
E vocês devem lembrar também que, mais recentemente - pouco depois que estivemos lá, em 2022 - houve uma grande onda de protestos por todo o país novamente, desta vez contra a temida e horrorosa "Polícia Moral", em razão da morte de Mahsa Amini.
As manifestações começaram em Teerã, depois da morte desta iraniana de 22 anos, que foi presa e assassinada sob custódia policial, depois de ter sido espancada pela Patrulha da Moralidade Islâmica, acusada de não estar usando adequadamente o hijab - lenço usado obrigatoriamente na cabeça por todas as mulheres no Irã, inclusive as não muçulmanas e turistas como eu.
Quando comecei a pesquisar sobre viagens ao Irã, eu lia sobre essa tal "Polícia Moral" e achava que isso fosse algum tipo de lenda urbana mas, viajando pelo Irã, percebi que ela de fato existe. E o pior: muitas vezes, essa polícia que aborda e reprime mulheres em função das roupas que estão usando é formada por outras mulheres 😞
Cheguei a escrever aqui no blog que eu tinha fé que, diante da truculência usada por esta tal polícia no caso do assassinato da Mahsa Amini, essa Polícia dos Costumes acabaria caindo e sendo varrida completamente do mapa, em função das manifestações e protestos que estavam ocorrendo naquele momento histórico no Irã - mas, infelizmente, os protestos foram novamente reprimidos e nada de fato mudou.
E os protestos populares no Irã continuam, por vezes de forma mais branda e velada, por vezes tomando as ruas de forma explícita. Nesse jogo todo de poder, emerge este país muçulmano Xiita, que enfrenta graves problemas internos, e ao mesmo tempo desafia - não apenas os seus rivais regionais - mas também as maiores potências do mundo.
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no interior do país, em povoados menores, a maioria das mulheres ainda usa o chador para sair às ruas |
EUA X Israel X Irã e as sanções internacionais
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conversando com policiais iranianos que conhecemos na Torre Azadi em Teerã - eles são muito curiosos sobre o mundo em geral, e encheram o Peg de perguntas sobre a polícia brasileira |
- Antiga Embaixada dos EUA
- Mural Stars & Stripes
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assistimos a protestos em que ficou claro que muitos iranianos realmente odeiam os EUA e Israel |
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o Mural Stars & Stripes em Teerã é um ícone da propaganda anti-ocidente no Irã, mas não reflete o sentimento dos iranianos com quem conversamos |
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Antiga Embaixada dos EUA em Teerã, conhecida como "Ninho de Espionagem" |
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para entender melhor a rixa Irã x EUA, visite Antiga Embaixada Americana em Teerã |
Marcha do Dia dos Quds
"Morte aos EUA, Morte a Israel".
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Marcha do Dia dos Quds em Meybod no Irã |
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homens iranianos usando os lenços árabes Keffiyeh em uma demonstração de apoio à Palestina |
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no Irã, até nos protestos homens e mulheres permanecem em grupos separados |
a Marcha do Dia dos Quds ocorre anualmente em várias cidades iranianas desde 1979, para apoiar Palestinos e se opor a Israel e ao Sionismo |
cartazes com os dizeres "Morte aos EUA, Morte a Israel" |
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