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Abrace teus pais enquanto estão aqui

Minha despedida do meu pai
* Texto escrito em maio deste ano, quando perdi meu pai. 

Resolvi republicá-lo aqui no blog esta semana porque, passados exatos 3 meses da morte dele, a saudade só faz crescer, e esse primeiro dia dos pais sem o meu por perto vai doer. 

Mas a principal razão é, na verdade, para dizer, parafraseando a Ana Vilela, que a vida é trem-bala, gente - aproveitem os pais de vocês enquanto eles estão aqui

Façam valer a pena. A gente é só passageiro prestes a partir e, quando menos se espera, a vida já ficou pra trás. Então, só o que resta é saber que em algum lugar ele zela por mim. 😏 

"Na semana passada, contra nossa vontade, o gordinho partiu, ao som de My Way, do Frank Sinatra, que era a música preferida dele, pra mais uma viagem, desta vez sem nós, nos deixando só com as melhores lembranças. 

Eu fico aqui tentando lembrar de coisas ruins, de brigas nossas, e não lembro de nada, de nenhuma - como é possível conviver intensamente por 40 anos com alguém e não ter nada a remendar, nenhum caco a colar? 

Ele me ensinou a nadar, a andar de bicicleta, a dançar, e a gostar de jazz. Me ensinou a dirigir e a pagar todas as minhas contas. Me ensinou a me levantar e gritar sempre que eu visse uma injustiça. 




Lembro dos acampamentos no areal, dos passeios de lancha no Rio Jaguarão - que ele conhecia como poucos e para onde as cinzas dele voltarão em breve, das aventuras de Jeep, das muitas árvores que ele plantou e de tantas, tantas trapalhadas. 

Lembro do tombo na corredeira no Canadá, das guerras de bola de neve em Bariloche, da bebedeira no Lido de Paris, da fatídica subida na escadaria do Rocky na Filadélfia, dele correndo atrás das meias que a Linda tinha roubado e do episódio da mandíbula congelada. 

Quem vai nos fazer rir agora? Quem vai trocar o pneu bom no carro? Quem vai afundar o veleiro? Quem não conhece alguma história engraçada do meu pai?


Rio Jaguarão

Estados Unidos


Bariloche

New Hampshire

Ele me mostrou nos livros e ao vivo as maravilhas de Michelangelo e Leonardo da Vinci. Foi ele quem me deu o meu primeiro guia de viagem, na véspera do meu primeiro voo para a Europa - forrado por ele com papel ‘contact’. Foi ele quem me contou as histórias dos Reis Magos da Catedral de Colônia e da Monalisa, e que atiçou a minha vontade de ver o mundo. 

Eu me olho no espelho e sei de onde vem a minha curiosidade pelo mundo e também a minha ânsia por Justiça. Sei exatamente de quem eu herdei a minha coragem e a minha gana de brigar pelo que é certo, pelo que é bom, e pelo que é justo. 

Eu tive o melhor professor, e o mais orgulhoso. 

E vou continuar brigando e polemizando, agora em dobro, por mim e por ele. 


Empire State Building

Pode não parecer, mas eu vi, com meus próprios olhos, ele combatendo ladrões e também policiais safados com igual destemor. 

O gordinho lutava pelo que ele acreditava, com unhas e dentes, assim como lutou pela vida, até o último dia. 

Não tenho a ilusão de que vai ser fácil viver sem a tua lucidez por perto, paizeco. 

Quem vai ler meus processos de júris e me dar dicas? Quem é que vai implicar com o Lipe, o Manoel e a Frida? Quem é que vai fazer paella pra nós?


Buenos Aires

Punta del Este

A Anália barganhou com Deus e com todos os santos que ela conhecia - e até mesmo com os que desconhecia; a Miminha subornou enfermeiros com chocolate na Páscoa para que pudéssemos passar mais tempo com ele na UTI; e eu briguei tanto, e com tanta gente - até com Deus - que por muito pouco não saí presa e algemada do hospital. 

De nada adiantaram as batalhas que travamos - no final, prevaleceu vontade que não era a nossa, e não sei se algum dia vou conseguir entender o que é que justifica esse sofrimento todo, e fazer as pazes com meu Santo Antônio, que desta vez me deixou na mão. 

Mas não fomos só eu, a Miminha e a Anália que saímos perdendo. Perderam os historiadores, os navegadores, os jipeiros, os Rotarianos, a turma do Bolha. 

Perdeu a cultura de Jaguarão.

O pai era tão polêmico quanto era bom. Bondade como é raro de se ver hoje em dia. 

E o mais raro: eu ficava sabendo das “bondades” dele sempre pelos outros - nunca por ele mesmo. Dos dinheiros que ele emprestava, do enterro que ele pagou aqui, da roupa que ele tirou pra dar acolá. 

Até uma vida que se afogava na lagoa ele salvou. 


Vermont

New York City

Ventisquero Negro

Nós sabíamos que a vida era trem-bala, e aproveitamos cada gota. 

Não foi só nos últimos 60 dias que nós estivemos de mãos dadas, pai. Eu passeei de mãos dadas contigo por Roma, por Paris e por Nova York. 

Se é que existe algum consolo possível, é o de que nós não temos nenhum arrependimento, não deixamos nada para trás. A gente ficou de mãos dadas até o final, e eu sou testemunha de que tu foi um bravo, uma fortaleza, até o último minuto. 

Ou, como os médicos te apelidaram, um “Titã”. 


Montreal

Na segunda-feira passada, quando tu abriu aquele olhão azul pra mim pela última vez, e apertou a minha mão com uma força que tu já não tinha, tu me encheu de coragem pra seguir adiante, pai. 

Não é “tchau”, gordinho, é só mais um “boa viagem”. 

Vai em paz, paizeco, segue o teu caminho cheio de luz e leva contigo todo o nosso amor 😘

Ps. Escrever qualquer coisa depois de tudo o que o Dr. Eduardo disse sobre o gordinho é muito difícil, mas eu queria agradecer a todos os amigos que foram lá hoje para a última despedida do pai, e em especial a Ester, que foi a nossa tábua de salvação nos últimos 2 meses. 

Obrigada, Ester, tu nos ensinou o verdadeiro significado da palavra amizade."


Roma

Villa La Angostura

Paris

New York

Montreal (Lipe tinha 2 meses)


Pisa

Torre Eiffel (erramos por pouco a pose kkkkk)

São Paulo

compras em NYC



Lipe com 1 dia de vida

Livraria Ateneo

Bariloche

Laurentides, Canadá


Roma, Itália

Cerro Campanário


Feliz dia dos pais a todos ☺


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Claudia Rodrigues Pegoraro

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9 comentários:

  1. Post lindo e emocionante! Sentimento de eterno viajante. Bjs

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  2. Me emocionei muito com o seu post, pq meu pai estava na uti na mesma época q o seu. Eu estava convencida q ele não sairia desta, mas felizmente ele conseguiu, agora é como vc disse, aproveitar cada momento junto, pq nesta vida tudo pode mudar de um instante para o outro.

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  3. Claudia que coisa mais linda!!! Deus abençoe e conforte o coração de vocês. Seu pai está vivo em todas essas lembranças lindas!

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  4. Post emocionante mesmo... ainda mais pq compartilho da mesma perda...ano passado foi meu pai...dor intensa mesmo!Creio em Jesus Cristo que teremos um reencontro...Uma curiosidade: Claudia pelo que parece vc foi filha unica? LIpe também será? Rsrsrs

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    1. Oi Michelle, sinto muito pelo teu pai! Eu tenho irmã sim, é a Anália de quem eu falo no texto. Ela aparece em algumas fotos - na última estamos nós 4. Mas o Lipe infelizmente ficou de filho único hehehe já passei dos 40, agora nem pensar! Beijo pra ti

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  5. Claudia, sinto muito. Se tem algo que consola é que essa dor vira saudade. Alguns dias ela ataca mais, em outros não. Meu pai faria 75 esse ano, mas morreu com 49 anos, quando eu tinha 16 anos. Tento viver minha vida fazendo o que ele gostaria que eu fizesse e acho que onde eles estão agora, estão felizes conosco. Um beijo

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