Este post foi escrito pela Claudia Zirbes, nossa leitora, e é um relato emocionante da viagem de motorhome da família pela África do Sul em julho de 2018.
À tarde ainda dirigimos até Maropeng para visitar o Berço da Humanidade, onde foram encontrados fósseis de um ancestral comum ao homem. Reflexão sobre a diversidade humana num museu muito interessante compõe este passeio. Gui adorou o “barquinho” no escuro que te envolve numa experiência com os 4 elementos: ar, água, fogo e terra. Não deu tempo para ir a Sterkfontein onde há cavernas, o que acredito valeria a pena.
Dia 4: Voamos para Port Elizabeth e iniciamos nossa aventura no motorhome!
Gui também curtia muito o final do dia, quando finalmente estacionávamos. Como meu filho tem uma linguagem mais limitada e dificuldade de expressar em palavras todos os seus desejos, ideias e preocupações, acho que chegar no camping trazia uma certa segurança, um porto seguro entre tantas inconstâncias inerentes a uma viagem sobre rodas. Depois que ele cumpria seu pequeno ritual de tomar banho (amava os banheiros coletivos) e deitar com seu ipad na caminha do motorhome, não tinha nenhum ruim.
A Claudia tem 2 filhas adolescentes lindas e um filhote de 10 anos, o Gui, que tem autismo, e o relato da experiência dela de viajar com uma criança "atípica" é empolgante e deve servir de inspiração e de exemplo para muitas outras famílias, atípicas ou não!
Com a palavra, a "outra" Claudia:
Sempre que lia algum relato de viagem de motorhome neste blog tão
inspirador, me questionava como, quando e onde eu conseguiria realizar uma
façanha dessas com minha família. Alguns ajustes foram necessários diante das
nossas particularidades enquanto família, mas, em julho de 2018, este dia chegou!
Gustavo (meu marido) e eu embarcamos com nossos três filhos: Isadora (19), Giovanna (fez 17 lá) e Guilherme (10) para uma viagem de duas semanas pela África do Sul.
Gustavo (meu marido) e eu embarcamos com nossos três filhos: Isadora (19), Giovanna (fez 17 lá) e Guilherme (10) para uma viagem de duas semanas pela África do Sul.
Às vésperas do embarque, eu confesso que estava
bem ansiosa devido a alguns ingredientes que compunham a viagem. O primeiro
deles é o fato de o Gui ter autismo.
Embora ele não seja tão apegado à
rotina (uma característica comum deste funcionamento atípico), era uma viagem
que envolvia duas casas alugadas e um período em motorhome com rotina quase
zero (cada dia um camping novo).
Outros motivos envolviam um excesso de
“primeiras vezes”: Gustavo nunca havia dirigido nem uma Kombi, quem dirá um
motorhome, e ainda mais na mão inglesa!
Seria nossa primeira vez na África e desenhamos uma viagem que
respeitasse interesses e vulnerabilidades individuais. Desta forma iniciamos e
terminamos nosso roteiro com o combo casa + carro alugado e no meio colocamos o
motorhome. Não havia diferença considerável em custos. Para a nossa família foi
uma excelente aposta.
Viajamos de South African Airways. Aliás, foi justamente uma promoção de
passagens no início do ano que definiu o destino. Viajar em 5 pessoas exige uma
matemática diferente. Com uma das filhas já na Universidade, fica mais difícil
fugir da alta temporada. Canadá, a idéia inicial, tornou-se impraticável nesta
época e com esta alta do dólar.
viajando de motorhome pela África do Sul com a família |
Vamos então à “vida como ela é” para uma família que lida com uma
criança autista: Gui fez um voo tranquilo POA-SP, mas no embarque para
Joanesburgo a fila desorganizada, o barulho e a percepção dele sobre a minha
inquietação foram o gatilho para um embarque cinematográfico. Entrou no avião berrando
e chorando a plenos pulmões.
Quando se trata de uma criança pequena, os olhares
são mais acolhedores. No entanto, com um guri de 10 anos, 1,53m de altura - os
olhares são fulminantes e às vezes machucam. Ignorei o entorno e fiquei focada
nele até se acalmar, o que felizmente não demorou muito, por que ele adora
avião. Passou o voo (8h na ida), faceiro e rindo. Não dormiu um segundo se
quer.
Dia 1: Chegamos lá as 7:30 da manhã (2:30 da manhã no Brasil). Acabados,
mas felizes!! Compramos os chips de celulares da Vodacom para ter internet e
trocamos alguns dólares ainda no aeroporto. Alugamos o carro e saímos em
direção à casa alugada.
Os primeiros minutos na mão inglesa foram um pouco
assustadores, mas mais pelo trânsito todo invertido do que pela dinâmica do
carro. Nos permitiram fazer um check-in mais cedo na nossa casa alugada pelo airbnb, o que foi providencial para
acomodar nossas malas e sair para a Mandela Square. Tivemos a sorte de presenciar
lindas celebrações para Nelson Mandela, o pai da nação - como é chamado, justamente
no dia em que completaria 100 anos.
Mandela Square - Joanesburgo
Às 20:00 (no Brasil 15:00) já estávamos dormindo neste primeiro dia.
Dia 2: Fomos ao Lion Park. É garantia certa para ver leões e
aprender bastante sobre seus hábitos e a história do parque. Não iríamos ao
Kruger, conhecido como melhor safari da África do sul por receio da malária,
por não sermos fissurados em safari e principalmente por que queríamos conhecer
Joanesburgo e sua história. Neste dia, Gui estava sentindo o fuso horário mais
que a gente e seu humor estava alterado. Na experiência de “interação com
leões” o guia tinha recém avisado (em inglês) que só devíamos cuidar com o
rabo e a cabeça dos bichanos. Foi ele terminar de falar (não deu tempo nem de
eu traduzir) e Gui pisa no rabo do leão! Por um segundo achei que ele
pudesse ser devorado ali mesmo.
Frequência
cardíaca alterada para o resto do dia...mas o leão só resolveu morder o
casaco do meu marido.
Lion Park
No mini-safari,
que adoramos, Gui se entregou e dormiu como um anjo.
À tarde ainda dirigimos até Maropeng para visitar o Berço da Humanidade, onde foram encontrados fósseis de um ancestral comum ao homem. Reflexão sobre a diversidade humana num museu muito interessante compõe este passeio. Gui adorou o “barquinho” no escuro que te envolve numa experiência com os 4 elementos: ar, água, fogo e terra. Não deu tempo para ir a Sterkfontein onde há cavernas, o que acredito valeria a pena.
Dia 3: No dia
do aniver da Gigi - uma ativista nata - visitamos o Soweto, bairro onde os negros
foram segregados com a horrenda política do Apartheid. Trata-se de uma
comunidade gigantesca, marcada por histórias muito tristes, por favelas e casas
sem banheiro, e por uma ainda transparente segregação racial. Fizemos a visita
com um guia moçambicano que falava português, o simpático Joel. Ele respondeu
todas as nossas perguntas e conseguiu nos fazer ver o quanto os moradores do
Soweto amam e se orgulham de sua comunidade.
Soweto
Na visita à
casa de Mandela, foi um segundo de descuido e lá estava o Gui tentando driblar
o cerco e deitar na cama do líder...lembrando que já deitou na de Pablo Neruda
no Chile 😜
À tarde
tivemos que dividir nosso quinteto e validar também os interesses do “pequeno”:
meu marido o levou no Gold Reef City, parque de diversões, e eu segui com as
gurias para o museu do Apartheid, em frente ao parque.
Gold Reef City
O museu te
propõe ser separado daqueles que estão contigo por marcar aleatoriamente no
ingresso “Branco” ou “Negro” e desta forma promove um início de visita
separado. Muito impactante e necessário.
Apesar de eu
ser uma mulher branca, tudo que tece a exclusão e desrespeito à diversidade
humana me atinge profundamente. Minha experiência como mãe de uma criança com
deficiência tornou minha visão de mundo mais aguçada e sensível. Não
consegui conter as lágrimas nesta visita e foi especial estar lá com minhas
filhas. Nesta fase eu aprendo tanto com elas! Nós compartilhamos da ideia de
que nada precisa ser belo ou perfeito para ser apreciado. Ter as mais diversas
emoções despertadas é um privilégio de quem se permite.
Dia 4: Voamos para Port Elizabeth e iniciamos nossa aventura no motorhome!
Uma experiência muito enriquecedora para a nossa
família. Dirigir aquele monstrinho, que “até” acomodava bem nós 5 (modelo Iveco
M6B) foi mais fácil do que meu marido imaginava.
Alugamos com a empresa
Motorhome Trips aqui do Brasil mesmo, e toda a parte burocrática foi muito tranquilo,
a despeito do sotaque deles ser bem difícil de entender mesmo para mim e minha
filha que moramos nos EUA (é tipo um alemão falando inglês).
Foi essencial ter
assistido vários tutoriais antes, em especial deste blog querido Felipe, o pequeno viajante, por que eu tinha uma expectativa que assistiríamos um vídeo cheio de
explicações, receberíamos um manual detalhado, treinaríamos um pouco antes de
sair de lá...e na verdade o rapaz que nos passou as instruções estava fazendo
isto pela primeira vez na vida. Aliás, tinha sido ensinado meia hora antes de
nos encontrar e fez o melhor que pode com muita simpatia. De fato, e sem
modéstia nenhuma, eu sabia mais do que ele.
Posteriormente, fiz contato com
Francisco da Motorhome Trips pelo whatsapp e ele prontamente nos ajudou em dúvidas
que restaram. Partimos direto para um
supermercado, e na nossa chegada ao primeiro camping (The Willows Resort) fiz
todos tirarem tudo de suas malas para acomodarmos nos compartimentos do
motorhome, pois não conseguíamos caminhar lá dentro com nossas 5 malas.
Neste
camping, além do espaço destinado para estacionar o motorhome, contávamos com
banheiro e espaço para lavar louça privativo. Embora tenha tudo isso no
veículo, o espaço para o banho é minúsculo, o chuveiro é uma extensão da torneira
da pia e faz uma lambança colossal. Reservatório de água acaba em 5 banhos (mesmo
rápidos) e lavar cabelão então, nem pensar! Então usávamos com parcimônia e
deixávamos sempre reabastecido de água. O vaso sanitário também usávamos só em
emergência - e apenas para “número 1”. Apesar de ser no sistema mais moderno de
cassete (praticamente uma malinha de rodinhas que tu levas para um espaço
designado no camping, “esvazia”, lava e põe de volta), a verdade é que ninguém
tinha adorado a ideia de limpá-lo.
Dia 5: Depois
de um café da manhã delicioso no motorhome, assistindo macaquinhos da janela,
fomos para o Addo Elephant Park. Um dia maravilhoso fazendo um safari
auto-guiado no próprio motorhome. Incrível ver todos aqueles elefantes tão de
perto, além de zebras, veados e outros mamíferos. Amei cozinhar na “casinha” e
servir numa área reservada com uma sombrinha tão providencial.
chamego entre
irmãos durante safari no Addo Elephant Park
Foi a única
noite que repetimos o mesmo camping por que tinha uma boa estrutura e havia
lugares que queríamos explorar ainda ali perto de Port Elizabeth. Pena que eu (logo
eu!!) me deparei com uma barata no banheiro do camping e meu medo deste inseto
ainda é em nível fóbico 😩. Acho que meus gritos seguem ecoando até hoje por
todo Oceano Índico! Gui descobriu meu ponto mais fraco e achou muita graça...
Dia 6: Nosso
dia maravilhoso iniciou com a Sacramento Trail, 8Km de Port Elizabeth. Uma
trilha costeando o mar bem curtinha e linda, onde até baleias avistamos! Gui
não resistiu e no final entrou na água de roupa mesmo.
Sacramento
Trail
Tivemos uma
tarde toda curtindo Jefrey’s Bay (almoço delícia no Kitchen’s Windows). Gui não se
intimidou nada com a água e tomou banho de mar bem feliz.
No início da
noite, tentamos fazer check-in no nosso destino planejado, mas a recepção do
camping no Tsitsikamma (Storm River Mouth Rest Camp) havia fechado há 10 minutos 😩.
Tivemos que
voltar alguns quilômetros, entrar num vilarejo e com muita dificuldade devido à
escuridão e as ruas estreitas chegamos até o Djembe Backpackers, que haviam nos
sugerido como opção. Desci com minha filha mais velha e nos deparamos com um
cenário bem psicodélico 😂: luzes coloridas, uma ovelha cruzando o pátio, e
atrás do balcão onde havia um gato 🐈 repousando sobre um
bolo de chocolate: o simpático James. Nosso motorhome não cabia ali, mas com a
ajuda de James acabamos pernoitando no Axl Tube Backpackers - menos “diferentão”
que o primeiro. Foi a única noite que tomei banho no motorhome por medo do
banheiro, de uma rusticidade que superava minha tolerância para o combo natureza
+ escuridão (eu também me chamo Claudia, mas tô longe de ser a Claudia Pegoraro
😂 - “I am just a work in progress!”).
Certamente a
noite mais pitoresca e que nos valeu muitas risadas!!!
Dias 7, 8, 9 e
10 - Garden Route: Estes dias tiveram trilhas inesquecíveis: Tsitsikamma tem varias
opções de trilhas fáceis e bem demarcadas.
Já na região de Plettenberg Bay,
imperdível é a ida ao Robberg National Reserve, onde há 3 opções de trilhas:
fácil, médio e difícil. Fizemos a média e achamos bem tranquila para quem não é
sedentário. Tem um trecho que desemboca na praia (e enche as botas de areia)
muito lindo. Na verdade, amamos trilhas e é uma das nossas buscas constantes na
viagem. Gui surpreende muito e nos enche de orgulho por que é daquelas
atividades em que as dificuldades desaparecem e ele brilha subindo ou descendo
uma trilha mesmo íngrime e acidentada.
Tsitsikamma - Storms River Mouth
Robberg Nature Reserve
Teve também cavernas
(Cango Caves, em Outdshorn), onde superei o medo (ainda estava com o episódio dos
meninos da Indonésia na cabeça) e curti muito!!
Tivemos visuais
de tirar o fôlego, praias lindas, cidadezinhas encantadoras (Stellenbosh) e
vinícolas maravilhosas (amamos Tokara, onde almoçamos, e Waterford, onde fizemos
degustação de vinho harmonizado com chocolate - Gui comeu a degustação 4x).
Vinícola Waterford
Também teve
muita janta à base de massa no motorhome e churrascos (Braai) perfeitos nos
campings!
Gui também curtia muito o final do dia, quando finalmente estacionávamos. Como meu filho tem uma linguagem mais limitada e dificuldade de expressar em palavras todos os seus desejos, ideias e preocupações, acho que chegar no camping trazia uma certa segurança, um porto seguro entre tantas inconstâncias inerentes a uma viagem sobre rodas. Depois que ele cumpria seu pequeno ritual de tomar banho (amava os banheiros coletivos) e deitar com seu ipad na caminha do motorhome, não tinha nenhum ruim.
Lista dos nossos
campings
- The Willows, em Port Elizabeth
- Axl Tube Backpackers, em Storms River
- Storms River Mouth Rest Camp, no Tsitsikamma (Garden Route National Park)
- Oppi Dam, em Outdshorn
- Kam´ Bati, em Swellenden
- Hollandsche Mollen Camping, em Stellenbosch
Usávamos o app do Caravanparks.
Dia 11:
Chegada em Cape Town. Numa cidade maior e considerando nosso perfil familiar, foi
muito bom ter optado por uma casa alugada. Não tínhamos mais roupa limpa por
que faltou organização para manter moedas que nos permitissem lavar e secar
roupas nas máquinas pagas dos campings. Teve um dia que tive que lavar algumas
coisas na mão mesmo e pendurar no banheiro coletivo do camping (onde só estávamos nós), mas a verdade é que nunca secou kkkk.
Na Cidade do
Cabo, ficamos numa casa muito boa e bem localizada (Camps Bay). Fizemos o check-in na casa para retirar tudo direto do
motorhome e já colocar na casa e depois que fomos devolvê-lo. Teve até
coreografia das “ladies” quando entregamos o motorhome, mas elas confessaram
que certamente topariam uma outra aventura dessas!
dancinha
“tchau motorhome”
Quando
detalhamos esta viagem que contemplaria o motorhome, achamos melhor ir com
calma na primeira experiência. Considerando que somos 5 pessoas, 8 dias foi um
período perfeito para começar! Se viajaremos de motorhome novamente?
Certamente!! Aliás, já temos até um roteiro em mente!
Dias 12, 13 e
14: 4 dias em Cape Town foram pouco para tantas coisas maravilhosas
para fazer e ver por lá. Gostamos tanto do Waterfront Victoria & Albert que
fomos duas vezes e comemos no mesmo restaurante (Life Grand Café).
A trilha da
Table Montain foi um capítulo à parte: o teleférico não estava funcionando e
começamos a subida nos achando “os hikers super experientes”. Depois de 2 horas
de subida íngreme, e faltando apenas 20 minutos para o topo, começou a ficar
muito frio lá em cima. Não tínhamos levado comida e, se fôssemos até o final, seria um total de pelo menos 5 horas. Então, subimos até QUASE o topo da Table
Montain, e teremos que voltar lá um dia para
cumprir a missão!!!
subida da
Table Montain
Fomos até o
Cabo da Boa Esperança, onde a trilha é bem tranquila e a vista lindíssima.
Visitamos
as praias de Muizenberg, Camps Bay e Llandudno. Gui amou todas e apesar do
inverno, da água congelante e das possibilidades de tubarão, tomou banho de mar
em todas!!
Nosso retorno até
Porto Alegre foi longo por que retornamos a Joanesburgo, pernoitamos em um
hotel perto do aeroporto e partimos no dia seguinte. Nosso voo até Guarulhos
foi diurno e durou longas 10 horas, mas Gui estava sereno. Feliz com tudo que
havia vivido e experimentado ao lado daqueles que mais ama e confia nesta vida.
Desta
experiência trago só gratidão no meu coração.
Famílias que convivem com a
deficiência precisam ser encorajadas a encontrar a flexibilidade necessária
para ajustar planos e viverem experiências engrandecedoras.
Eu reconheço o privilégio que é contemplar
outros cantos do mundo através dos olhos curiosos dos meus três filhos tão
diferentes um do outro e ao lado do meu grande companheiro nesta jornada 💓
Conhecer a África do Sul com eles foi sobretudo uma experiência de amor.
Uau! Que relato emocionante Claudias!!!! Muito obrigada por dividirem essa experiência incrível com a gente! :)
ResponderExcluirMuito legal! Tanto o roteiro como o relato!
ResponderExcluirParabéns!
Beijos
Parabéns Familia! Muito legal ler o relato de vocês!!!
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